Tuesday, January 29, 2008

1.

Abriu os olhos turvos e foi invadido pelo sol que naquela altura do dia exibia sua incansavel luz sem ser obstruido pelos prédios. Era o sinal do meio dia, hora do almoço...dos outros.
Sentou-se sobre o papelão e desvencilhou-se do jornal que o cobriu. Nenhum pensamento especial brotou-lhe a mente ao observar a rua, uma das mais famosas da capital, e que na qual dormia e acordava desde um tempo sem começo em sua memória.
Era sob o toldo de seu Luis, velho relojoeiro, que repousava seu corpo cansado, religiosamente, ao ouvir o primeiro canto dos passaros surgir baixinho, longinquo em meio a um silêncio que apenas uma alma vazia poderia preencher.
Não havia um parque próximo, sequer uma praça. Havia uma série interminavel de placas e letreiros luminosos enfileirados. Durante o dia um formigueiro humano desfilava em sua frente. Faces afoitas, ocupadas, ou, volta e meia, preocupadas...com horários, objetivos, contratos, preços, ele já nem pensava mais muito a respeito. Não lembrava exatamente da ultima vez que fora invadido por um objetivo.

Invadido...um suave riso levantou suas bochechas. As vezes era invadido pelas risadas de quem abandonou o mundo. Claro, após ter sido devidamente abandonado por ele.

A história dele poderia começar em qualquer lugar. Em qualquer familia, de boa, má ou nenhuma estrutura. De bolsos fartos e luxos pagos, de moral, de jesus. Ele buscava nem lembrar mais. Afinal havia assinado o contrato em branco, onde a vida diz, sem dizer nada, que não haveria mais nada dali em diante.

Mas e como havia. Como havia...

Nos primeiros tempos, vomitava tristeza, a tristeza vinha com gosto de cachaça, vinha como purgação dum passado mentiroso. Todo passado é mentiroso. Ele tinha sonhos, ah! Malditos, malditos sonhos! Eram tão fortes, de tão fortes...eram certezas. Ele sabia onde queria chegar. E quem sabe se não chegou? Ninguém sabe ao certo a história desse homem.

Era meio dia, o mau halito exalava da sua boca faminta. A multidão seguia passando e nenhum olho escorregava para sua direção. Nos primeiros meses isso o revoltava. Quando atraia um olhar era nutrido de pena, e o passante coçava o bolso pra depositar com certa ressalva seu troco do cafezinho e sair contente com seu ato cristão de amor ao próximo.

O total abandono expressa uma série de reações num ser humano. É um dos riscos da vida. Da fragilidade do eu. Da dependência que temos do mundo como espelho. Nenhum daqueles passantes na rua ousaria abandonar o mundo como ele fez. Ou ele foi abandonado pelo mundo? Ele nem lembra mais.

Nascemos e somos espelhados. Se você não notou isso, lamento. Você é um maldito devorador de gente. Você veio ao mundo de um jeito que não servia nem pra bife, e ai você com esses olhos, bocas, nariz e tudo mais foi devorando tudo, tudo, tudo que vinha pelo caminho, e oukey, lamento dizer que mamãe era a parte mais gorda do seu rango...e se ela era o que era...você tambem é muito assim. E ok, você é saudavel e um dia viu papai, você evitou 50% das patologias mais sérias. Um dia você viu o mundo e foi atrás de outros temperos, e foi temperar o mundo, foi dar de comer as outras feras. E ai você achou de trilhar o proprio caminho, e ai você foi em frente até frustrar-se com o mundo das vaidades loucas, dos reflexos dos espelhos, do vazio opressor das solidões egoistas.

Não foi bem esse o caso dele, acontece que ele cometeu um crime.
Não, ele não era muito sábio, não era chegado em livros...nem mesmo em pensar muito. Ele era apenas um cidadão comum, e a história dele poderia começar em qualquer lugar. Não importa.
O que importa é que a vida atirou esse homem a um destino.

Seu Luis beirava os oitenta. Consertava e vendia relogios antigos, a lojinha dele era um mundo a parte. Nada, da caixa registradora ao telefone, passando por muitos relogios, tinha menos de quarenta anos de idade. Talvez tudo aquilo tivesse oitenta anos, ou cento e cinquenta...vai saber. Aos olhos despreocupados do nosso herói...parecia que aquele homem nascera de bigodes brancos naquela loja e fosse mais automatizado e preciso no seu fazer diário do que os próprios relógios que arrumava. Ele o achava engraçado, as vezes triste.

Isso ele havia aprendido, a ver profundamente as pessoas próximas nos seus habitos, profundamente. Elas eram reféns dos seus olhos curiosos, onipresentes naquela via. Os lojistas, o sorveteiro. Muitos dos passantes ele reconhecia melhor do que os parentes que esquecera no tempo, nos vagões da mente que ele resolveu descarrilhar.

Ele levantou. Acenou para o relojoeiro. Todos os dias ele o acenava com um sorriso amarelo. Seu Luis tinha um misto de pena e medo, e por isso deixava o mendigante habitar a frente da sua loja. Não era um homem corajoso, e talvez por isso apenas tenha aceitado o oficio de relojoeiro do seu pai, este por sua vez tendo aceitado do avô. E aquela loja parecia coexistir com o verbo desde o inicio de todos os tempos.

Precisava encontrar um almoço. As variaveis para isso eram uma delicia imprevisivel. Nunca sabia o que viria comer. E isso tornava a tarefa de se alimentar mais e mais deliciosa. Era a chance da vida surpreendê-lo. E nisso não tinha como fugir. Enquanto tivesse estomago teria que comer e estaria refém das gargalhadas dos karmadevas.

Certa vez ao invés de almoçar conheceu Irene.

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7 Comments:

At 31 January, 2008 10:50, Anonymous Anonymous said...

surpreendida.

 
At 02 February, 2008 15:04, Blogger Vânia D.M.Soares said...

Vitor, acredito que não existe o acaso.Adorei seu blog e se me permite adicionarei ao meu.Parabens, adorei passar por aqui.abraços e sucesso sempre!!!!

 
At 07 February, 2008 07:49, Blogger Bruno Eneas said...

hmmm Acho que eu sou um devorador de gente!



Vai ter continuação esta história?

 
At 10 February, 2008 21:35, Blogger marmitt said...

gostei da prévia e estou comprando o direito de impressão de sua obra!
manda bala tio!

 
At 12 February, 2008 05:40, Blogger alice said...

eu juro que quando voltar do trampo eu vou ler, e eu achava que meus posts estavam ficando grandes...

:P

 
At 14 February, 2008 04:25, Anonymous Anonymous said...

Caro Vitor,

obrigada pela visita. Venha sempre.
Mirian

 
At 15 February, 2008 17:57, Blogger Bruno Eneas said...

Hmmm...
parece que vai ser um livro bom


espero que este seu pretendido ou já feito livro seja o que parece ;)

nos encontramos qualquer noite no Jô Soares; futuramente



(não veja nada subliminando um talento meu para escrita)

 

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